segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

PERSPECTIVAS

Estamos todos habituados a considerar-nos como primordialmente realidades mentais, e aos outros como directamente realidades físicas; vagamente nos consideramos como gente física, para efeitos nos olhos dos outros; vagamente consideramos os outros como realidades mentais, mas só no amor ou no conflito tomamos verdadeira consciência de que os outros têm sobretudo alma, como nós para nós. Perco-me, por isso, às vezes, numa imaginação fútil de que espécie de gente serei para os que me vêem, como é a minha voz, que tipo de figura deixo escrita na memória involuntária dos outros, de que maneira os meus gestos, as minhas palavras, a minha vida aparente, se gravam nas retinas da interpretação alheia. Não consegui nunca ver-me de fora. Não há espelho que nos dê a nós como foras, porque não há espelho que nos tire de nós mesmos. (...)
[bernardo soares]
o post de hoje é parte de um trecho do livro do desassossego, do bernardo soares, um semi-heterônimo do pessoa. desde quando eu li a primeira vez, já gostei desse trecho, por ter brincado com o jeito que eu vejo o outro e por ter me lembrado de que o outro, como eu, é uma realidade mental e não apenas física, desprovida de alma, ou seja, da capacidade de pensar e de sentir. []